Eu não sei como cheguei aqui.
Deixei o Chico a ver navios, e vim parar aqui. Devo ter entrado por uma porta.
Que importa? Eu "quase sempre nunca tanto" sei aonde vou parar. Como disse, não importa.
O que importa são essas paredes, sujas, despedaçadas. Buracos de rato, fios desencapados, pintura gasta. Já houve algum resquício de pureza nelas. Algo de limpo, dava para perceber, alguém pode até dizer luxo. Agora restam apenas manchas de mofo, e uma espessa camada de poeira cobrindo a parede. Tinha até um papel de parede - um luxo! se dizia - vermelho clássico/tímido por trás daquela poeira toda. Papel de parede daqueles de hotel antigo, "O Iluminado" me vem à cabeça, lembra desse filme? Então. Papel de parede daqueles.
Curiosamente as luzes funcionavam perfeitamente. As "luzes" eram candelabros - já disse, luxuoso - de cristal, um a cada três metros aproximadamente. Enfim, nunca fui bom de medidas. As luzes funcionavam sem piscar, sem curtos-circuitos ou faíscas, mas estavam fracas. Fracas o suficiente pra não darem conta de iluminar cada canto daquele corredor. Eu já disse que era um corredor? Uma porta no começo e outra no final.
Depois de certo tempo aquele corredor passou a me dar calafrios, e um pouco de medo também. Talvez claustrofobia, ele foi feito pra um homem só. Então me decidi a atravessar aquela porta no final do corredor longo e sujo. Dei uns vinte passos e cheguei na porta. Ela era alta, de madeira bem esculpida e branca. Maçaneta de ouro. Bem, pintada de ouro, com aquelas manchas pretas e tempo, sabe? Respirei fundo o ar pesado e empoeirado daquele lugar, peguei um punhado de coragem e girei a maçaneta. A maçaneta deu aquela estalada de quando não é aberta há muito tempo e a porta abriu rangendo.
Levei um susto! Do outro lado da porta havia mais corredor! O mesmo corredor! As mesmas manchas de mofo, os mesmos fios desencapados, o mesmo papel de parede vermelho gasto. E o mais impressionante, alguém de pé segurando a porta aberta do outro lado e olhando pra frente. "Ei, você!"- gritei e saí correndo. Mas o sujeito saiu correndo quase que no mesmo segundo que eu. Decidi continuar correndo atrás dele, que corria até no mesmo ritmo que eu, mas era inútil. Toda porta que eu atravessava me levava ao mesmo corredor, e o sujeito não parava de correr. Bem, se um não quer dois não brigam. Parei de correr. E o sujeito parou também, imediatamente. Olhei de longe, desconfiado. Dei dois passos para trás, ele também deu. Acenei o braço e ele também acenou. E agora então ficou óbvio, o sujeito era eu!
Talvez por medo daquela aberração no espaço/tempo corri em direção à porta e a fechei. Fechei as duas. Era inútil tentar sair dali. Sentei no chão, pus a cabeça entre as pernas flexionadas e me pus à chorar. "Que desgraça! Ninguém merece tal maldição!". Chorei como uma criança e batia nas paredes daquele corredor suplicando uma saída, sendo ela qual for, e chamei por meu Pai. Nossa, como chamei meu Pai, clamava com toda a minha força e chutava aquelas paredes. E então sentei no chão, exausto.
Então, ouço batidas. No lado oposto ao que estava sentado. Batidas crescentes, primeiro fracas e ao longe, e então mais fortes. As batidas eram em uma porta. Uma porta! Como não tinha visto uma porta antes? E logo na minha frente. Essa era diferente, mais limpa. Era também de madeira, pintada de branco, esculpida, e uma maçaneta de ouro, ouro de verdade. Me levantei, enxuguei as lágrimas e fiquei em pé em frente à porta. O batido de novo, me dá um susto! Não havia mais nada a fazer além de abri-la.
Girei a maçaneta, que não fazia barulho e abri a porta, que não rangia. Do outro lado vejo um homem de pé, com um sorriso, que me estende a mão.
- Bom dia, sou o novo morador deste quarto!
- Quarto? Mas isto é um corredor, meu senhor!- Mal acabo de dizer e me viro pra trás ainda apertando a mão dele. Era um quarto! Bom, agora era um quarto!
O corredor havia sido substituído por um quarto dos mais luxuosos! Pinturas pelas paredes e livros numa estante de madeira. Uma cama confortável, abajures, um candelabro daqueles do corredor. E aquele Papel de Parede vermelho clássico, agora limpo. Limpo ele brilhava, dava vida ao quarto, era como se fosse sangue, sangue de um Santo. Sangue de um santo que reformou o meu quarto.
Olhei de volta para aquele senhor que estampava um sorriso enorme no rosto. Ele entrou, fechou a porta - eu ainda sem palavras - e se deitou na cama, cruzou as pernas e pôs a mão por trás do pescoço.
- Pode ir, deixa que eu cuido daqui - Me apontou o caminho da porta por onde entrou - Vamos, não perca tempo, seu Pai te aguarda.
Pela cara daquele senhor, não adiantaria fazer qualquer pergunta, seria sempre uma resposta enigmática, pra me convencer a entrar por aquela porta. Então, fazer o que?
Abri a porta, botei meus fones de ouvido, e entrei por ela. Estava feliz, mas ainda tinha muito o que fazer!
"Eis que estou à porta, e bato;
Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta entrarei em sua casa..."
[Ap 3:20]