Vim de longe, de estradas já percorridas, cantando canções do amanhã, e então vi de relance, Chico Tristeza, sentado no cais do porto a olhar as ondas, navios, pessoas de vai e vem. Balbuciando histórias de terras longínquas, de outros portos, além das terras do sem-fim.
De logo sem demora meti a mão no bolso, pausei a música que escutava e fui ter com o menino, que de menino na verdade nunca teve, assim como aquelas crianças criadas no mar. Fui, como um bom ouvinte, ouvir aquelas histórias, sobre os homens de fala embolada, que de tudo tinham visto um pouco. E como sonhava aquele menino. Mas não como a gente, não rindo pro nada e olhando pro céu. Chico não era disso. Seu sonho era calado, no máximo um brilho de canto de olho. Sempre de olho no que não se pode ver. Talvez não quisesse mesmo ver, só, queria ir. Sentia que aquilo ali não era o seu lugar, que era, na verdade, com aqueles homens, de porto em porto. De cais em cais. Em terras de línguas estranhas, onde aqueles homens ouviriam suas cantorias, e, mesmo sem entender, parariam pra ouvir; só pela melodia, porque homem do mar entende uma canção do mar quando ouve uma, não importa em qual língua esteja.
"é doce morrer no mar..."
Por um minuto eu olhei pro sem-fim do mar e todo o seu mistério.
E como todo bom homem da terra que não entende o homem do mar, e não é capaz nem de contar suas histórias do jeito que deve ser, só abri um sorriso. Entendia Chico Tristeza, não na sua totalidade, porque não há homem, seja da terra ou do mar, que entenda as tristezas do outro. Não, isso é coisa das suas mulheres. Mas isso fica pra próxima.
Entendia, mas meu coração se entristeceu. O de Chico já era. Ambos entendíamos que não é em outro porto que o coração desentristece. Mas o Pai sabe o que faz. Também sabíamos disso.
Me levantei pra seguir viagem, sem esperar nenhum tipo de despedida, e não tive. Chico, voltou ao olhar vazio, de esperança calada, em direção às terras do sem-fim.
E eu botei a mão no bolso e deixei tocar a música
"Doce o mar perdeu no meu cantar,
Só eu sei, nos mares por onde andei,
Devagar, dedicou-se mais, o acaso a se esconder,
e agora o amanhã... Cadê?"

[Leia mais sobre o Chico Tristeza em "Mar Morto" de Jorge Amado.]
;)