quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Jovem Pintor


Enquanto se fazia a tela em branco sobre o cavalete, o sol fazia questão de vir o cumprimentar e, tão logo de pé, já começava a dança de tintas e pincéis.
Pintava ao ar livre as dádivas da natureza. Crianças brincando, a manada de bois passando, as árvores de cada monte dançando. E, embora não soubesse de sua existência, um par de olhos cor-de-mel o maravilhava todos os dias. Olhos curiosos mas desconfiados, fitando o céu e toda a sua magnitude. Via o infinito, mas o rapaz lhe fugia de vista.
E lhe maravilhava tanto, que nem mais a natureza lhe servia de inspiração. Bastava olhar praqueles olhos cor-de-mel e pintava encontros e alegrias, passeios e fantasias, crepúsculos e folias. E não havia nada entre os Céus e a Terra que fizesse ele mais feliz.
Mas veio então o dia em que, procurando sua inspiração, o jovem pintor se viu sozinho. Seu par de olhos não se pôs sobre a janela. E o fez esperar e esperar, até que se acabasse o dia em tela em branco.

A moça se casara. Levou com ela seu motivo para pintar.

De repente não havia mais chão, e o ar lhe faltava pra respirar. As crianças não brincavam mais, e as manadas de bois morreram, e todas as árvores secaram. Com amargura apenas no coração, passou a golpear a tela em branco. Pintava tristezas e despedidas, angústias e feridas, tempestades e pontes partidas. A cada dia definhava mais e mais o seu coração. Vazio e azul.

Mas como num golpe de misericórdia, a noite trouxe com ela a realidade.
Pela primeira vez o jovem se fez ciente de sua situação. Então, abriu os olhos.
Abriu os olhos para a realidade à sua volta e viu todas as dádivas da natureza que pintara por tanto tempo. E se viu maravilhado. Como há muito tempo não se via. Viu a Lua e as estrelas, o orvalho se formando na madrugada. Viu a dança das árvores acompanhando o vento e o lindo arranjo de nuvens no céu.
Por um segundo esqueceu-se da linda moça dos olhos cor-de-mel.

Enquanto todas as estrelas sorriam para ele, se fez o quadro em branco sobre o cavalete.
E não pintava mais crianças brincando, mas anjos. Nem manada de bois passando, mas astros e estrelas dançando em harmonia. E encontros e alegrias, passeios e fantasias, crepúsculos e folias.

E não havia nada entre os Céus e a Terra que fizesse ele mais feliz



["Noite estrelada sobre o Ródano" - Vincent Van Gogh]


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